O DIÁRIO DA INFÂNCIA

Doeu muito quando ele ficou sabendo que a mãe o havia jogado fora, principalmente o motivo fútil e torpe pelo qual ela tomou essa decisão: Porque estava sujo, e porque fedia, ela dizia.

Ele levaria tempo para perdoá-la, se é que esse dia chegaria. Ela não sabia quanto tempo ele levou para juntar todos. Tudo, tudo, tudo, desde que ele nasceu há sete anos, tudo estava lá debaixo.

Não era sujeira, ele dizia, era o tempo. Não era fedo, ele dizia, era o cheiro de todas as lembranças juntas, que daí ficava um pouco forte, mas e daí, a senhora é tão grande e não sabe de nada disso, ele dizia.

Ele correu até a lata do lixo, mas não tinha mais nada. O lixeiro estava já indo embora, ele correu chorando pela calçada, gritava, mas o homem do caminhão do lixo não ouvia, e sumiu no final da rua, porque ele só podia ir até a esquina.

Ele achava que debaixo do seu travesseiro estavam todos os seus sonhos, e agora eles haviam sido todos jogados no lixo.

Como é que a senhora acha que eu vou poder crescer sem os meus sonhos? – ele dizia. E até hoje ele acredita que o lixo é uma montanha de sonhos que as mães jogam fora.

Fernando Fortuna

Publicitário, escritor, cineasta, músico. Pois bem, amante das artes e dos movimentos filosóficos da alma. Noite Literal é o meu quintal celestial. É neste espaço que pretendo trocar energias com você.

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