Estava tudo bem antes de construírem esse muro. Quer dizer, bem não estava, mas nós podíamos enfrentar os desafios diários. Só que eles preferiram o muro.
A verdade é que nós poderíamos ter cooperado uns com os outros. Vejam o belo exemplo das formigas, que sobrevivem cooperando. Mas, nós preferimos competir. E pior, competir de forma desonesta, lutar contra o mais fraco, jogar sujo.
Eu nunca ouvi falar num joão de barro que construa casas para alugar. Talvez porque a terra, a água, a árvore, as asas e o bico sejam uma herança comum ao joão de barro, bem como o planeta é uma herança comum a todo ser que o habita, e que o chama de lar.
Contudo, eles escolheram o muro.
De um lado ficou o glamour, a elegância, os mais altos e mais bonitos, os mais cheirosos, de cútis lisa, mãos macias, letrados, doutorados, famosos, reis rainhas, clérigos, todo tipo de cidadão de bem que você possa imaginar. As melhores frutas, os melhores vinhos, o gado, o peixe, as aves, e as churrasqueiras, a cerveja gelada, as piscinas, as camas, os lençóis, os filmes e novelas, os melhores carros, os aviões, as armas, o ouro, os diamantes, o dinheiro, o luxo. Do outro lado ficou apenas o lixo, e o resto.
Vai entender. Escolheram o muro.
Antes de fechar uma década, o cheiro de carniça era insuportável. Urubus, insetos, ratos. Morte e extinção eram testemunhadas por aqueles que, do lixo, reconstruíram os seus passos, renasceram dos próprios restos no lado abandonado, e agora, depois de derrubarem o muro, perguntam uns aos outros: – Como aquelas pessoas, de sangue azul, sucumbiram em tanta felicidade?
Mas, eles escolheram o muro.
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